domingo, 12 de junho de 2011

O BOMBEIRO DO CABRAL GANHA MUITO MAL...E PONTO FINAL!

Bombeiros expõem o governo Sérgio Cabral a um duro desgaste

Na guerra da comunicação, a corporação saiu vencedora. Agora o desafio é desarmar os ânimos e evitar a manipulação política

Cecília Ritto e Lucila Soares
  No Rio de Janeiro, membros do Corpo de Bombeiros protestam por aumento e melhores condições de trabalho (Antônio Lacerda/EFE)
“A ocupação de áreas públicas é inaceitável por pessoas que têm direito ao porte de arma. Em uma democracia, pessoas sem armas mandam nas que têm armas, senão não há democracia. A ocupação do quartel foi extremamente grave."
“De maneira oportunista, Cabral usou o erro dos bombeiros para ocultar a raiz do problema, que é você ter uma corporação muito mal paga.”
Demétrio Magnolli, sociólogo
O movimento do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro expôs o governo de Sérgio Cabral a um dos mais duros desgastes desde a sua posse, em 2007. Durante os pouco mais de quatro anos à frente do poder executivo fluminense, ele enfrentou outros momentos de tensão. O pior deles ocorreu no final de 2010, quando bases policiais e veículos foram atacados em série por criminosos. Cabral demonstrou grande capacidade de reação, como ficou claro na bem sucedida ocupação do Complexo do Alemão. Nesse tempo de governo, também já fez declarações inábeis em momentos de confronto com o funcionalismo público. Chamou médicos que faltaram ao plantão de um hospital, na zona norte, de vagabundos. “Quero ver o Cremerj denunciar esses safados”, disse, em 2008.

Desta vez, a situação era, em si, especialmente delicada. Envolveu uma atividade essencial à população, com o complicador da hierarquia militar em uma categoria subordinada a um civil, o secretário de Saúde e Defesa Civil. Isso além do risco de que outras categorias pegassem carona nas reivindicações. Mas não precisava ter se tornado explosiva como se tornou na noite do dia 3 de junho, com a inaceitável invasão do Quartel General da corporação. A falta de diálogo foi o primeiro erro do governo estadual. A cronologia da mobilização é clara na indicação de que houve tempo suficiente para que as autoridades do estado tomassem as rédeas da situação, evitando uma radicalização indesejável sob qualquer aspecto. O segundo e decisivo erro, que transformou os invasores em vítimas, foi a reação do governador. Evidentemente era preciso impor limites e liberar o quartel, e se isso não foi possível de forma negociada a decisão correta era mesmo usar a força. “A ocupação de áreas públicas é inaceitável por pessoas que têm direito ao porte de arma. Em uma democracia, pessoas sem armas mandam nas que têm armas, senão não há democracia. A ocupação do quartel foi extremamente grave”, aponta o sociólogo Demétrio Magnolli.

O problema foi o descontrole verbal (mais um) de Sérgio Cabral, que chamou os bombeiros de vândalos e irresponsáveis, ignorando o prestígio da corporação junto à população – algo que as lideranças do movimento souberam utilizar a seu favor. Magnolli resume assim os acontecimentos da semana: “De maneira oportunista, Cabral usou o erro dos bombeiros para ocultar a raiz do problema, que é você ter uma corporação muito mal paga.”

O cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael identifica no discurso indignado do governador o momento de virada em favor dos bombeiros. Até então, apesar das várias manifestações de rua, a opinião pública podia até ser simpática ao movimento. Mas estava silenciosa. Quando chamou os bombeiros de vândalos e irresponsáveis - no que até tinha razão, na medida em que os manifestantes usaram suas mulheres e filhos como escudos humanos – Cabral simplificou o problema, e subestimou o papel simbólico dos bombeiros. “Eles têm imagem de heróis. Ao tentar apresentá-los como criminosos, o governador perdeu politicamente, e ficou na defensiva”, diz Ismael.

“Nossa insígnia é uma cruz que salva a vida”, diz, em tom heroico, um dos líderes da mobilização, cabo Laércio Soares, do Grupamento Marítimo dos Bombeiros. “Nós sabemos que podemos morrer em certas ações e, mesmo assim, as cumprimos. O que pedimos são melhores condições e equipamentos.”
 
O discurso, reforçado por uma competente estratégia de marketing e pela evidente satisfação com que políticos de todos os partidos decidiram tirar uma casquinha da popularidade dos bombeiros, ganhou o apoio de artistas, de outras categorias profissionais. A imagem de mulheres ajoelhadas, com as mãos na cabeça, as faixas carregadas por crianças dizendo que seus pais bombeiros são heróis, não bandidos, completaram a comoção.

Pressionado, o governo foi obrigado a mudar de tom e de atitude. Cabral criou uma secretaria de Defesa Civil e nomeou como seu titular o comandante geral do Corpo de Bombeiros, Sérgio Simões, no cargo há menos de uma semana. Simões substituiu o coronel Pedro Machado no último sábado, no auge da crise provocada pela invasão do QG. E antecipou para julho o reajuste que seria escalonado até dezembro pelo plano de recomposição salarial dos bombeiros. O resultado prático é pífio – 5,28% a mais no salário que será pago no início de agosto, o que significa um adicional de 78 reais no bolso de um soldado sem dependentes, recém-chegado ao Corpo de Bombeiros. Mas é o que, de início, considera-se possível conceder. Agora o governo Cabral tem o desafio de solucionar uma equação complicada. Inegavelmente os bombeiros ganham mal. Têm o menor salário da federação. Mas professores, médicos e policiais, categorias igualmente responsáveis por serviços essenciais, também ganham muito aquém do razoável. E todo o esforço de recomposição salarial que vem sendo feito não pode ignorar o equilíbrio das contas públicas.

No caso dos bombeiros, o governo sabe que vai ter que fazer um esforço suplementar. Sérgio Simões já disse que vai buscar junto à secretaria de Planejamento alternativas de valores ou prazos que reduzam a distância entre as reivindicações da corporação e as possibilidades dos cofres do estado.

O desafio, agora, é reabrir o diálogo. Embora no discurso todos sejam favoráveis a isso, o movimento tem o apoio de políticos interessados no impasse. Cabe aos bombeiros mostrar que sua mobilização é legítima, e que a corporação se dispõe a ser massa de manobra da politicagem fluminense.

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